Hora de Caçarola
Uma crônica-receita

(A ideia para esse texto surgiu de um estudo sobre gêneros textuais que eu estava fazendo para a preparação de algumas aulas. Diante da diversidade de gêneros, pensei em escrever um texto que unisse dois dos quais gosto muito: crônica e receita culinária. Dois livros que destaco nesse estudo: “Os gêneros do discurso”, De Tzvedan Todorov, e “Dicionário de gêneros textuais” (3ª edição revista e ampliada), de Sérgio Roberto Costa – esse dicionários traz em seus verbetes aproximadamente 500 gêneros.)
Quem é que não gosta de um bolo de nada?
Aquele bolo branco feito pra comer com um cafezinho às cinco da tarde num dia de barulhinho de chuva.
Esse mesmo que só vai ovo, farinha, açúcar e alguma gordura. Eu, para ser bem sincero, acho injusto esse nome “bolo de Nada”, uma vez que ele leva Tudo que um bolo precisa para ser bolo, o essencial.
Recheio e cobertura são acessórios. O bolo de nada traz a essência do que é ser bolo. É basilar.
O bolo de nada, ele passa a ser alguma coisa num piscar de olhos. Se você adicionar cenoura, ele vira bolo de cenoura. limão, de limão, fubá, de fubá, fubá e goiabada, de fubá com goiabada, coloca queijo parmesão e ele vira um caçarola, e é esse último que eu resolvi fazer.
Tinha quase tudo em casa:
200 g de farinha de trigo
270 g de leite (gramas mesmo, aqui eu peso até os líquidos)
270g de açúcar
3 ovos (use aqueles extragrandes)
20 g de fermento químico
45 de de óleo de soja
Até aí seria um bolo de nada, mas eu queria um caçarola e no outro dia compraria o parmesão.
Fui dormir e sonhei que caminhava numa via escura e estreita cercada por rochas gigantes, e chegava numa gruta enorme, e nela tinha uma sala em que eu entrei e me deparei com ouro em tudo quanto era formato, e enchia meus bolsos de ouro, e saía correndo feliz, e das paredes da gruta, enquanto eu corria feliz, jorrava mel tão amarelo e resplandecente quanto o ouro da sala e dos meus bolsos agora. Não sei se sonho tem cheiro, mas esse tinha um cheiro absurdo de mel, o cheiro que as abelhas devem sentir, e tinha gosto também, pois eu interrompia a corrida várias vezes e fazia uma concha com a minha mão e bebia o mel.
Acordei.
Meu sonho foi premonitório e eu não precisei de Freud nem de Jung para analisá-lo:
Via escura e estreita cercada por rochas gigantescas = rua do hortifruti cercada por prédios, mas não estava escura, era de manhã.
Gruta = o hortifruti.
Ouro = o parmesão (foi aqui que eu comecei a entender o sonho) . Vocês viram o preço do parmesão?? Quase R$ 100,00 o quilo. Diferente do sonho, não enchi os bolsos. Peguei só 100 gramas. E também não saí correndo. Paguei certinho no caixa.
Paredes melífluas = uma moça oferecendo mel para degustação no hortifruti. Provei, gostei, mas não comprei.
Comprei coco porque me deu vontade de colocá-lo no meu bolo.
Preparação.
Ingredientes pesados, coco ralado, forno pré-aquecido, formas untadas, vamos pro caçarola.
Bati o açúcar, ovos e óleo até formar um creme homogêneo e lindo, como são esses cremes de bolo. Aí desliguei a batedeira porque gosto sempre de acrescentar a farinha com o fouet, mas esse bolo pode ser todo feito na batedeira. Acrescentei a farinha, o fermento, 40 gramas de parmesão e 40 gramas do coco ralado fresco que resolvi de última hora que colocaria no bolo. Por último, juntei o leite aos poucos e misturei. A massa desse bolo fica bem líquida mesmo, não se assuste. Despeje-a na forma, como eu fiz, (e é tão bonito de ver), e coloque no forno.
Assou nuns 45 minutos (200 graus), mas isso varia de forno pra forno. Ficou com uma cor linda, amarelada. Lembrei do bombocado da infância, e me deu vontade de voltar no tempo, pois só lá existe aquele sabor.
Deixei o bolo esfriando e saí de perto, pois estava com tanta vontade dele que se continuasse na cozinha ia pegar um teco da forma mesmo.
Mais tarde, comi. Fofinho, cheiroso, sabor sutil de queijo e coco ( se quiser mais forte, coloque mais).
Sugestão de acompanhamento: uma café, é claro e sempre. Foi assim que eu fiz.
Fim
Eduardo Barbosa
Ilustrando a crônica-receita:






Senti o cheiro deste bolo aqui. Um sonho bem interpretado que se tornou caçarola.
Que delicia de texto e de tudo.
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Obrigado pela leitura, queridíssima. E o caçarola ficou uma delícia.🙂
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